3 de novembro de 2009

Morangos silvestres

Naquele dia a campainha tocou, minha sobrinha correu lá fora e quando voltou foi logo exclamando: - Ela está com muita fome, ela e seus três filhos!, Repentinamente, colocou sobre a mesa um vasinha azul vazia, minha mãe brigou: - menina, não coloca isso aí!. Pobreza dá mesmo pena, mas em algumas pessoas também dá nojo, não digo que esse seria o caso da minha mãe, ela que sempre me ensinara que comida não se nega a ninguém, nem a um animal. E me enchia de estórias como a de uma mulher que ficara sabendo que Jesus iria lhe visitar, e assim, arrumou toda a casa e preparou o melhor e mais variado almoço para Ele, diz que um mendigo bateu-lhe a porta pedindo um prato de comida, ela lhe respondeu com um não, espantando-o com a vassoura e reclamando: - ora, mendigo imundo, Jesus vem me visitar, cuide logo de sair daqui, estás sujando meu tapete com teus pés enlameados! Horas se passaram e o mendigo apareceu novamente em sua porta, desta vez implorando por Deus que ela lhe desse um copo de água, enraivecida a mulher o expulsa gritando: saia da minha porta! Não vês que estou a esperar visita? Mendigo imprestável! Por fim, de tanto a mulher esperar por Jesus a comida preparada estragara, a mulher indagou se havia sido enganada, mas na verdade Jesus apareceu em sua casa duas vezes, trajado de mendigo, sujo, imundo, enlameado, e a mulher duas vezes tinha o expulsado.

Minha mãe sempre me enchia de estória como estas, pregando o quanto devemos ajudar sem olhar quem, uma de suas frases é – não há pobre que não possa dar e nem rico que não possa receber - sempre achei minha mãe muito sábia, diz ela que isso aprendera com a vida e principalmente com minha vó.

Voltando, naquele dia minha sobrinha pegou a vasilha azul e pediu para que servisse nela a comida, sempre reafirmando que era para a mulher e seus três filhos, meu pai uma pedra bruta, fez um barulho com a garganta ao ouvir a história. Vi minha mãe preparando o prato, lembrei do poema de Manuel bandeira - o bicho- acho que não me encaixo em nenhuma classe, sou livre, não sou da classe alta, eles nem ao menos me conhecem, não sou da classe média, acho que é uma classe fantasiada com a possibilidade do mais, mais, não sou pobre pois possuo mais que o pobre, talvez eu não seja ninguém, não posso me equivaler ao outros, eu sou eu e pronto, sinto pela fome dos outros, pela dor dos outros, pela perda dos outros, sinto pelos ricos que não podem comprar a saúde ou a felicidade, sinto pelos pobre que acham que é assim mesmo, nenhuma classe irá me definir, eu sinto muito.

Saí correndo pelo corredor e dei de cara com a mulher, suja, despenteada, sem brilho nenhum, olhei bem firmemente para seus olhos redondos, famintos e ela riu, simplesmente riu, não desviou seu olhar do meu:

Eu:- Senhora, minha sobrinha já vem, tá?!

Ela: - Você vai para a aula? (Espantei-me) Sim!

Ela: - Boa aula.

Eu: - Obrigada, mas antes vou para o trabalho e de lá vou para aula.

Ela: Então, boa sorte também, que Deus te acompanhe! -Senti vontade de pegar em sua mão e dizer que a amava prontamente.

Eu: Obrigada, senhora.

Ela: Não esquece de fazer o sinal da cruz, ele sempre protege! Sempre, vai te proteger.

Eu fiz o sinal, me senti embalada numa rede, bem devagarzinho pela mão de Deus, obrigada senhora. Sim. Existem mesmo morangos silvestres nos passeios públicos.

2 comentários:

Ariane disse...

Bom que dividiu esse texto. Ele é especial, de verdade!

Kelly Moraes disse...

Fla...fazia um tempão que não andava por aqui...mas emocionei-me demais ao ler esse texto!
Também percebo que muitas vezes, quando menos se espera, aparecem morangos nos passeios públicos!
Obrigada por esse belíssimo post.
Xeiros
=D

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